dez de setembro - carta aberta à quem fica

7:10 AM

já são quatro anos. quatro anos desde o dia em que a culpa me consumiu até o último cacho e me fez passar tontas e tantas noites à beira do abismo. quatro anos inteiros de dor de uma perda e, por tanto, incompreensível.
eu tentei tanto. disse tanto. mostrei tanto. provei tanto: por que foi?
certa vez, em meio a uma discussão, citei ao meu amigo que estragar a própria vida é um direito inalienável. só não contasse comigo.

you made yourself a bed at the bottom at the blackest hole and convinced yourself it's not the reason you don't see the sun anymore

foram muitas discussões. foram muitas tentativas. cada vez que ele usava um método novo e amanhecia no hospital depois da crueldade da madrugada, um pedaço de mim recebia a faca no pulso, o choque, os remédios, o álcool, a droga. e morria uma parcela do meu peito que insistiu tanto em desejar o bem pra quem nunca soube viver assim.
o sorriso dele era uma das coisas mais tortas do mundo. os dentes eram retos, mas o sorriso não me dizia nada, não me passava verdade, não explicava alegria. era o sorriso discreto da monalisa que parou de tentar.
esse tempo todo sem compartilhar o meu riso alto e largo com ele só me leva a crer, dia após dia, no poder de escolha, no poder da vontade de não sentir mais vontade e de abdicar o próprio poder.
apesar de não ser justificável, eu entendo: estragar a própria vida é um direito inalienável do qual ele abriu mão. abrir mão também é direito.
só dói pra quem fica. mas uma hora a mente aprende a entender que essa perda ia acontecer. se não onde e quando foi, um mês depois a 20km dali. mas ia acontecer de qualquer forma.
e, hoje, quatro anos depois, apesar da falta e da dor de cabeça e das lembranças que me assombram e do som da sua risada que eu nunca sabia se era verdadeira e da última frase que você me disse ("clareza demais cega, gatinha"), eu sei que não podia ter sido de outro jeito.
não podia te pedir pra ficar porque é difícil pra mim, apesar de ser mesmo. e muito.
mas era mais pra você. por isso você foi e eu fiquei aqui de peito aberto, furado e com ferida exposta, mas fiquei.

proud mary, keep on burning!

e a forma que encontrei pra curar essa dor foi me lembrar que eu não posso permitir que a morte dele me mate em vida.

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