É justo pra quem? | [de 02 - 11 - 2012]
4:13 PMA justiça - como tudo o mais na vida - depende do ponto de vista. Porque o que é justo pra mim é injusto pra você e as minhas e as suas razões não são certas e não são erradas. São diferentes e só. E se são só diferentes, por que não aceitamos? Por que discutimos, insistimos, magoamos e tudo o mais?
Meus pais sempre me ensinaram que preciso lutar pra conseguir o que eu quero, que nada que vale a pena vem fácil e, principalmente, que fazemos na vida o que precisamos, não o que queremos. O que eles me exigem é que eu ajude na empresa que é, teoricamente, herança minha; educação; respeito; que eu tire boas notas; seja simpática e bem informada. Justo. Mas pra quem?
Eu gosto de arte. Gosto da arte viva e de toda arte que exige o mínimo de esforço, cratividade e conhecimento. Faço aulas de teatro; gosto de desenhar e de escrever. Já até pintei quadros. Levei uma surra pra aprender a usar nanquim. Escrever, pra mim, é como arrumar o quarto. Algumas pessoas só escondem as coisas debaixo da cama, mas o quarto só está verdadeiramente arrumado quando jogamos tudo no chão, reviramos armários, doamos roupas velhas, passamos pano em cima do guardarroupas e mudamos os móveis de lugar. A escrita pra mim tem o mesmo princípio. Às vezes, escrevo coisas tão superficiais quanto fingir que o quarto está arrumado jogando as coisas debaixo da cama. Mas só me sinto realmente bem em relação ao que escrevo quando reviro tudo, mudo tudo de lugar, descubro coisas que eu não sabia, vasculho, acho, procuro, remôo coisas velhas e, como disse Caio, enfio o dedo na garganta e vomito tudo aquilo que eu não gosto de saber sobre mim.
E sendo isso tudo - porque eu não só gosto, não só amo, eu sou essas coisas todas - sendo isso tudo, é justo pra quem que eu seja todas aquelas coisas que me exigem? O trabalho que eu faço diariamente me toma tempo hábil, paciência e criatividade. Ser educada e respeitosa consiste em, basicamente, ignorar meus instintos e pensamentos e responder "sim, senhor" e "não, senhor" sempre que a palavra for dirigida a mim. Ou seja, preciso abrir mão do que acho bom e justo para seguir o que acham bom e justo para mim? Atitudes rebeldes passam longe de mim e eu não ligo de fazer essas coisas, desde que elas não me impeçam de fazer o que eu gosto, também.
Mas elas têm impedido. Tem me deixado irritada, impaciente, sonolenta, cansada. Não tenho mais tempo pra nada do que gosto (a não ser três horas por sábado, quando faço a aula de teatro). Não sei se tenho direito de pedir compreensão. Em termos, não é justo para eles. Na cabeça deles, isso é o melhor pra mim. E talvez, em termos financeiros e sociais, até seja. Mas quem garante que o padrão social é o melhor pra você? Quem garante que o que o outro vê é o que é você?
Acho que me falta coragem de juntar o útil ao agradável e entender o que é preciso fazer para não desrespeitá-los sem me desrespeitar - que é o que eu mais tenho feito. Tenho me desrespeitado sempre que acordo às 5:30 da manhã e vou dormir à meia-noite sem gastar uma hora sequer com algo que eu goste. Não sei o que fazer, o que pensar, por onde ir.
Hora ou outra, vou perceber que preciso caminhar sozinha. Melhor dizendo, disso eu já sei. Preciso de coragem, de novo. Para encarar isso tudo: meus pais, meus sonhos, tudo o que eu amo e, por fim, a vida. Encarar isso tudo sem deixar nada escapar. O mais difícil vai ser me encarar. Mas enquanto eu não desistir de mim, todo o resto fica fácil. E, como diria Caetano, a gente vai levando...
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