era uma vez o irmão do meu amigo

1:37 PM

era uma vez um amigo. e esse amigo tinha um irmão. e então eu mudo o começo da história:

era uma vez o irmão de um amigo, alguém que eu conheci. alguém assim, legal, conversável, interessante.

inteligente.

biólogo, aliás.

guitarrista.

baterista.

pianista.

viajado, vivido.

bom gosto musical.

25 anos.

bacana.

e tá. daí descobri que, além dessas coisas era, também, bêbado. muito. e gostava de beber, chegar em casa e ligar o skype pra quem Deus mandasse pra contar seus problemas.

tudo falta de psicólogo. sempre falei.

enfim.

daí uma vez foi assim:

oi tudo bem sou o lucas estou bêbado. oi eu sei você tá sempre assim sou a giovanna e te conheço. eu não tô sempre bêbado. tá sim, lucas. só a noite. ou seja. de dia eu trabalho.

e ria.

lucas, vai tomar um banho. não quero, você não é minha mãe. nem se fosse. é.

e gargalhava.

o que você bebeu? sei lá, cara. irresponsável. pirralha, não me manda.

e desligou.

e eu cansei e fui dormir.

e aí meu celular tocou.

giovanna, volta pro skype que te aluguei. não volto. não desligo.

desliguei. ligou de novo.

e é aí que a história realmente começa:

era uma vez o irmão bêbado de um amigo.

ele era legal, até quando tava bêbado e me ligava no meio da madrugada pra contar da ex-namorada. e aí eu sempre pensava em como eu podia ajudá-lo, mas eu nunca podia. até porque o problema só era um problema quando ele tava sóbrio e isso só acontecia enquanto ele trabalhava - e nós não conversávamos. e depois de umas trinta noites dele me ligando bêbado sempre, resolvi ligar pra ele no intervalo do trabalho pra dizer algumas coisas.

lucas, pára de beber. não quero. por um dia. não consigo. tenta. não. você é um fraco. eu sei. a nicole não é tudo isso. como você sabe dela? você contou. vou parar de beber.

e aí ele passou umas duas semanas sem beber e ele era legal mesmo assim.

e aí eu precisei da ajuda dele e ele tava sóbrio. e foi muito legal.

mas aí ele saiu pra beber de novo. e, cara, pára! não, não quero.

isso durou uns três meses, até que ele parou. parou mesmo, parou do nada, não bebia e ficava lá, lendo e estudando.

e quando eu perguntava CÉUS, POR QUE, CÉUS? O QUE HOUVE EM SUA MENTE, HOMEM?

ele dizia: cansei, a fase passou. e eu duvidava: passou, é? tá. dura um mês.

durou sete.

sete meses sem beber, pra um cara que eu conheci bêbado e só vi sóbrio quando estava de ressaca.

e aí era legal, porque ele veio me ver pra entender porque ele gostava tanto de conversar comigo; achando que vendo meus 1,57m da época mudaria a ideia: não mudou. passamos horas conversando e foi ainda mais legal. e tal.

acabamos melhores amigos. me carregava pelos quatro cantos nas costas. eu e minhas loucuras. nós e nossas loucuras. essas coisas de melhor amigo: passar horas ouvindo falar do problema do outro e aí revezava. é sua vez, vai. ai, não quero. quer sim, fala logo. tá, vou falar.

e falava muito. ele sempre falou demais. todo mundo sempre fala demais.

e era legal correr com ele em quarto de hotel e rir pelos quatro cantos quando a recepção pedia pra abaixar o volume. parecia pré-escola.

vinte sete anos era até que uma idade legal pra se morrer. devia ser. tem a ligação com os astros do rock e tal. uhu.

mas aí eu senti falta, ixi. tanto. doía, dói, corrói. é tão ruim. não dá nem pra superar. nem sou eu que remoo, é tudo. tudo me lembra quem eu era um ano atrás e, ai. gosto não. mas daí eu olho pra frente e lembro de você e rio, sorrio, gargalho. dá uma saudade! ouço música e canto junto, fingindo que cê ainda tá ali. mas não tá mais, não. cê foi e não volta. cê foi porque quis. cê pagou a passagem e se mandou, sem volta, sem remendo. tá aí: cê foi porque quis, não vou sofrer porque também não quero. e dane-se.

e pumba, te odeio. odeio tanto. odeio tanto que te amo três vezes mais.

ah, lucas, por que, ein? podia me dizer. cê me pegou numa fase tão doída quando a gente se conheceu. pode ser doida também. o acento não muda muita coisa. eu tava meio assim, tava meio descontrolada. cê me ajeitou. só que daí eu fico meio pensando, sabe? como que cê deve ter ficado quando eu te disse que seguia teus conselhos só porque achava que eles eram bons. o problema nem foi esse, foi mais ter dito que cê mesmo não seguia. teu primeiro conselho sempre foi pra eu aprender a viver no escuro, faz bem. é, sempre fez, pra mim funcionou. o que mudou? nem sei. viu? já te amo de novo. e sinto falta. e dói.

mas aí volta e, não, tá tudo bem. tudo bem sentir dor e não querer levantar. mas vai, pega impulso, levanta, vai, anda, caminha, olha pra frente. faz isso aí: olha pra frente, porque se olhar pro chão só vai ver resto. olha pra frente que cê vê o mundo. isso. assim. certo.

e esquece o que foi. olha pro que vai ser. deixa isso de aprendizado. às vezes, a gente se apega e as pessoas não se apegam o bastante pra ficarem por perto. tá tudo bem. fez bem. fazer o quê? não dá pra voltar.

só tenho pena. pena de mim, que tanto passei pra aprender que não precisava ter passado por nem um quarto pra entender que você nunca mereceu nada disso. bobeira minha seria tentar mentir pra mim mesma e dizer que não sinto sua falta e nunca mais vou sentir. você me deixou um rombo, lu. deixou mesmo. mas hora ou outra fecha. cicatriza. como é que cê chamava esses rombos? tecido de revestimento, acho. que se renova sozinho. é quase isso. sou meio diabética, talvez.

nunca fiz o teste.

devo ser. pelo jeito, sou.

e chega.

cansei de sofrer.

e aí tá o fim, enfim.

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