eu posso ter mudado poetas

4:36 PM


Quero entender o que passa na sua cabeça quando você lembra de mim. E eu sei que você lembra. Lembra, porque eu te dei aquele livro do Hemingway e você parece ter gostado: de vez em quando ainda me liga para compartilhar algo sobre. Lembra, porque o seu riso dá lugar ao silêncio quando você se entrega às saudades em meio às conversas. Lembra, porque eu também lembro de você e o coração sabe quando não deve mais lembrar.

E queria mesmo poder voltar no tempo pra te falar tudo o que eu devia ter dito e nunca consegui, porque céus!, você sempre me distraiu e eu trocava palavras por risadas e as conversas se tornavam intermináveis papos de cúmplices de algo que foi e escondiam tudo o que eu tinha pra dizer.
E como tinha.
Então, agora, depois de você já ter ido, de eu já ter te perdido, gostaria que você soubesse que quando você ainda estava aqui e as coisas ainda aconteciam, eu queria ter te dito que gosto (no presente do indicativo) do seu jeito, da sua voz e do que você diz. Que gosto das piadas, da infâmia, do mau gosto deslavado e do bom gosto surpreendente (porque afinal, disseram uma vez que só existem dois: o mau e o meu). Queria ter te dito que gosto (no presente do indicativo) de você desde a primeira vez que te ouvi falar. Mesmo que, naquela época, eu tivesse todos os motivos para não gostar.
Gostei de você esse tempo todo sem nem saber. E eu gostei quando você tomou coragem e contrariou a maioria. Gostei e continuo gostando quando você se põe a postos e assume uma posição em qualquer situação. Gostei até quando se posicionou e me disse não. Gostei ainda mais, aliás.
Queria ter te dito, mas precisei te esperar ir pra tomar coragem, que gosto de você desde quando você me abraçou sem nem me conhecer. Desde quando sorriu tão bonito quando me viu e eu era só uma menininha. Quando secou meu choro e me contou o segredo que nunca mais esqueci: “tá tudo bem não saber".
Mas não sei se quero que sejamos o que poderíamos ter sido. Nesta altura do campeonato, depois de você já ter ido, só consigo te lembrar das tantas coisas que eu queria ter dito, mas me acostumei a sentir e deixei passar até você ir para conseguir te dizer: destas coisas, destaco mais uma: só não gostei de você quando você foi.
Porque eu sei exatamente quando te perdi e fico tentando imaginar como será que as coisas teriam sido se eu tivesse feito diferente. Eu sei que fui eu. Dessa vez, diferentemente de quando eu gostei de você, eu sei o que tá acontecendo e não tenho dúvida alguma: a culpa foi minha. E fui eu quem te perdeu.
Existe uma remota possibilidade de que possamos ser amigos. Isso implicaria em coisas como almoços silenciosos e conversas meteorológicas. Precisaríamos esconder o melhor das nossas vidas para que não soasse como pretensão e passaríamos a vida lembrando do que poderíamos ter sido e nunca fomos, porque num dado momento decidi te contar o que deveria ter dito antes de você ir e nunca disse. Passaríamos a vida tentando criar algo que não nascemos para ser, porque, de fato, nascemos para não ser, mas para estarmos juntos – independente do termo ou convenção que nos unisse.
Para que fôssemos amigos, eu precisaria aceitar que não se pode arrumar o cabelo de amigos e que amigos conversam, de vez em quando, sobre o tempo. E eu precisaria aceitar que amigos não roubam beijos e não dividem abraços longos.
Desculpa vir até você, depois de você já ter ido, para te dizer todas essas coisas, mas acontece que eu percebi que também não podemos ser amigos e quero (no presente do indicativo) que você saiba que sempre serei (no futuro do presente – porque o sempre inclui o agora) apaixonada pelo que não fomos (no pretérito perfeito – porque assim o foi). 

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